Minha volta ao mundo em (menos de) 80 dias com Dark Souls

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APRECIANDO O SOL!

É realmente engraçado o fato de  jogos que vão contra a grande maioria das filosofias de design recentes como a “série Souls” terem dado tão certo e se tornado uns dos mais importantes expoentes dessa geração de jogos que quebraram vários paradigmas e redefiniram diversos conceitos de jogabilidade e planejamento. Quem diria, né?

Bom, desde o lançamento de Demon’s Souls em 2009, eu ouvi muito falar dos jogos e que muitos estavam jogando e se deliciando com a aparentemente absurda dificuldade (comparada a jogos mais atuais) deles, e eu, obviamente, como apreciador de grandes desafios eletrônicos, fiquei bastante interessado desde então. E cá que finalmente pude jogar algo da série, mais especificamente o primeiro Dark Souls (o 2 acabou de sair e é o que tá na boca do povo atualmente, mas foda-se, vou falar do primeiro mesmo porque não tenho como jogar o 2 até o momento em que estou escrevendo esse texto). O que devo dizer a respeito?

Adorei. Adorei mesmo essa delícia de jogo e senti muita vontade de escrever sobre ele aqui e sobre como esse jogo sugou minha atenção durante os 2 meses que demorei pra platiná-lo. (contando todo o tempo desde quando comecei a jogar até a data em que terminei de escrever esse texto totaliza 76 dias, vejam só…)

Aprendendo com os erros

(avisando que os últimos poucos segundos desse vídeo possuem spoilers, errrr… pequenos, acho, de um dos finais do jogo)

Por mais que dizer isso seja chover no molhado, Dark Souls é mesmo um jogo desafiador, porém, por mais incrível que pareça, praticamente qualquer pessoa é capaz de jogá-lo e chegar até o fim. É um jogo difícil, mas que te prepara pra encarar a dificuldade dele de um jeito que, por mais agressivo que seja, funciona: te punir severamente por seus erros te tomando as souls (a “moeda corrente” que você usa pra fazer muita coisa no jogo, desde Level Up do seu personagem, comprar itens a forjar armas) que você reuniu com esforço até então e te fazendo voltar do último ponto em que você descansou.

Pra quê isso? O jogo mostra claramente que, se você morreu, a culpa é totalmente sua por ter deixado isso acontecer, mas te dá uma segunda chance para recuperar seus pertences no lugar onde morreu, mas se você falhar antes de chegar lá, já era, perdeu aquelas souls e Humanities ali pra sempre. A razão disso é incentivar o jogador a prosseguir com mais cuidado e prestando mais atenção no que está fazendo. Dark Souls não segura na mão do jogador em momento algum, fica lá assistindo ele fazer alguma coisa e puxa a orelha dele quando o mesmo faz besteira pro jogador agindo de maneira estabanada perceber que alguma coisa que ele fez foi errada e que ele mesmo busque tentar entender o erro e a maneira de contorná-lo.

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A dificuldade do jogo é bastante projetada na filosofia de “Tentativa-e-erro”. Vacilou? Toma penalidade e vai lá tentar de novo e vê se não comete o mesmo erro. Era bem comum jogos das décadas de 80 e 90 seguirem isso, mas é algo que foi meio que se perdendo, conforme videogames foram se tornando uma coisa mais mainstream e os anos foram passando.

É como se o mercado estivesse pensando “Pô! Vamos tentar atrair uma galera que não joga videogame a dar uma conferida nisso aqui. Mas como vamos fazer isso? Ah, vamos diminuir a dificuldade dos jogos.”

Não há nada de errado com esse pensamento, sempre são válidas novas ideias pra atrair mais gente pra consumir a mídia, mas a impressão que fica é que esqueceram de fazer os jogos como coisas desafiadoras e muita coisa ficou “automática” demais (milhões de jogos que tratam o jogador como estúpido e praticamente jogam por ele, estou falando com vocês). A série Souls é a prova de que ainda é possível fazer jogos difíceis de maneira inteligente e sem (tanto) sadismo. Não precisa ser uma dificuldade retardada como, sei lá, o primeiro Battletoads, por exemplo, mas um desafio que realmente recompense o jogador por seus acertos e o puna pelos seus erros com o objetivo de fazê-lo melhorar e com que ele, de fato, aprenda a jogar e preste atenção no que está fazendo (e, ao mesmo tempo, no que seus inimigos estão fazendo, para saber o momento certo pra atacar, desviar ou se defender) e não simplesmente apertar botões aleatoriamente sem pensar pra ver o que acontece, que é exatamente como é feito em DaS.

Nas primeiras horas de jogo você passa a maior parte do tempo apanhando que nem um cachorro, mas a cada morte, você aprende algo sobre o jogo e sobre o que fazer (e o que não fazer, principalmente) e vai ficando menos afobado e passa a tomar cuidado e a observar melhor o ambiente à sua volta e prestar mais atenção nas batalhas contra seus oponentes. Como eu disse lá atrás, Dark Souls é um jogo difícil, mas que consegue te preparar pra encarar a dificuldade dele se você estiver disposto a aprender. Imagine um mestre de artes marciais, no maior estilo Mestre Miyagi, treinando seu discípulo o mandando fazer flexões com um saco de areia de 50kg nas costas pra que ele fique mais forte com isso (ao mesmo tempo que está com uma pena pra fazer cócegas no pé dele), é mais ou menos assim que funciona a curva de aprendizado de Dark Souls.

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O mais interessante disso tudo é que, conforme o jogo passa e você aprende a lidar melhor com as situações dele. Não é o seu personagem que ficou mais forte e mais habilidoso, foi você como jogador que melhorou. Mas apesar disso, DaS deixa claro que mesmo se você for o fodalhão lá na frente cheio de habilidades e com status lá em cima, não deve baixar a guarda pra NENHUM inimigo, e com isso, aprende-se a ser menos estabanado enquanto joga. (pra ilustrar isso, uso de exemplo o que aconteceu comigo na minha 3º playtrough, em que morri de maneira extremamente imbecil ao ser cercado por um monte daqueles undeadzinhos fracos do começo do jogo antes de enfrentar as Bell Gargoyles. Quis jogar fazendo graça sem tomar cuidado, logo fui punido)

Viagem  pelo desconhecido

(caso não tenha jogado, esse vídeo explica qualé a da história de uma maneira melhor do que eu faria aqui escrevendo)

É notório que o ponto forte de Dark Souls é sua jogabilidade e todo o seu planejamento de design, que é simplesmente fascinante, mas ele tem um outro lado bem peculiar que merece menção: sua narrativa. A história é simples e, em boa parte do tempo, extremamente vaga e exala mistério pelos poros, mas esse é o seu grande charme. A narrativa flui através de breves diálogos com poucos NPCs espalhados pelo mundo do jogo e é fortemente enriquecida por um lore gigantesco sobre os locais, inimigos, personagens e acontecimentos que tornaram o mundo como ele é no jogo, apesar de isso ser passado de uma forma extremamente sutil (como por exemplo, histórias contadas em descrição de itens e coisas do tipo). O Lore de DaS é tão, mas tão grande, que jogando apenas uma vez sem interagir e trocar experiências com outros jogadores, você ainda não terá visto tudo que ele tem a oferecer.

Uma coisa engraçada que passou pela minha cabeça várias vezes enquanto jogava ou conversava e discutia sobre o jogo com amigos que jogaram ou que estavam jogando é: “Imagina que louco se esse jogo tivesse saído no meio dos anos 90 quando não existia esse negócio de internet?”. Se Dark Souls tivesse saído nessa época, ele provavelmente seria um causador gigantesco de “lendas urbanas” dos videogames, que nem aquelas que, se você tem lá seus 20 anos talvez deva ter discutido com os amiguinhos, de fazer o E. Honda pular na banheira no Street Fighter 2 ou maneiras mirabolantes de reviver a Aeris no Final Fantasy VII, por exemplo. Todo o ar misterioso e o caráter vago da narrativa do jogo dariam muito pano pra essa possibilidade caso ele tivesse sido lançado nessa época (apesar de que existem lendas assim em Dark Souls, mesmo que em proporções menores às dos tempos pré-internet. Por exemplo, outro dia vi uns malucos discutindo se era possível matar o Everlasting Dragon)

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Ok, mas esse papo de “Imagina que louco se tivesse saído nos anos 90?” significa que o jogo saiu na época errada? Muitíssimo pelo contrário, não haveria hora mais apropriada para a chegada de Dark Souls. Ele chegou num momento extremamente propício por uma série de motivos. Como eu falei há alguns parágrafos atrás, o jogo tem todo esse destaque atualmente pela sua dificuldade projetada de maneira inteligente. Nós já tínhamos jogos difíceis (até mais do que DaS) há uns 20 anos atrás, mas como dá pra notar, esse sabor de “desafio a ser superado para ser recompensado” foi se perdendo ele traz esse sentimento de volta, além claro, de brilhar em muitas outras coisas fora isso. Mas o principal aspecto que me faz pensar que Dark Souls chegou numa hora extremamente apropriada será o que eu irei abordar no próximo tópico…

Troca de experiências e calor humano (ou quase)

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Cada geração de consoles tem um aspecto em especial que meio que “define” o que ela é. Na 5° geração (PS1/Saturn/N64), por exemplo, foi o advento dos jogos em 3D e dos discos ópticos, na 6°(PS2/GC/Xbox) os jogos em 128-bits e em 3D de maneira bem mais aperfeiçoada que na anterior… e agora na 7° (PS3/Xbox360/Wii) tivemos a consolidação do Social Networking nos jogos que chegou com tudo, e bem… Dark Souls tira muito proveito disso, e de uma maneira genial.

Obviamente, dá pra jogar inteiramente sozinho, mas boa parte da experiência brilha quando você joga com o seu videogame conectado à internet. Você joga a sua campanha normalmente, mas vê resquícios de outros jogadores que também estão jogando naquele momento ou que passaram por ali não faz muito tempo. Tais resquícios vão desde poças de sangue que mostram como um jogador morreu (para você ver e interpretar, a fim de que não cometa o mesmo erro que ele), espectros de outros jogadores que estão passando por ali também e que provavelmente estão se fodendo tanto quanto você pra sobreviver no jogo deles, ou até mesmo às invasões de jogadores mal-intencionados a fim de se aproveitar de você para benefício próprio ou que vão azucrinar o seu jogo por pura diversão mesmo (tá nas regras que isso pode acontecer, não é trapaça ou “injusto” fazer isso no jogo) e às marcações de jogadores que invocam outros para dar aquela mãozinha. Essas ocorrências enriquecem bastante a experiência e a tornam memorável. É a magia do coletivismo acontecendo.

E a melhor parte é que o DaS incentiva essa cooperação entre seus jogadores. Os que ajudam normalmente são premiados com souls que eles conseguem nesse mundo e outros benefícios, os que invadem também se beneficiam (mesmo que do jeito mais parasitesco, mas ei! Não é trapaça, tá valendo). Algumas das partes mais divertidas de toda a aventura são quando você conhece outros jogadores bem brevemente, e mesmo assim o clima de solidão e melancolia do jogo não vai embora… isso se deve ao fato de que, essa interação não vai durar muito tempo. Logo o jogador que está te ajudando irá desaparecer assim que vocês derrotarem o chefe daquela área ou ele poderá ser morto no meio do caminho de uma maneira tão trágica ou ridícula da mesma forma que você também poderia morrer, e nisso, você sente que os outros jogadores estão tão vulneráveis quanto você, e isso incentiva o já forte sentimento de trabalho em equipe pra sobreviver àquela barra juntos, e nisso, Dark Souls se mostra um jogo bem “humano” no que tange às interações multiplayer (e fora disso também, claro) trazendo à tona o sentimento de busca por socialização que muitos de nós temos.

Variedade e singularidade

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Nos primeiros minutos com o jogo ligado em seu videogame ou PC, uma das coisas que você deve fazer é escolher a classe de seu personagem. Isso será um fator que decidirá como você deve ou irá querer (e aprender como realmente deverá) se comportar durante o jogo. Há várias classes pra escolher que se moldam aos mais variados estilos de jogar pros mais variados jogadores e o jogo em si não possui nenhuma parte que favorece uma classe em especial. Se você gosta de jogar mais na força bruta, escolha um Knight. Se você prefere investir em ataques mais discretos e focados, jogue de Thief (que foi a classe que escolhi pra mim). Se prefere ter vantagem em ataques à longa distância, jogue de Sorcerer, e por aí vai. Você moldará o jogo de acordo com a classe que escolher e com os level-ups em determinados atributos que irá fazer.

Isso também incentiva a criatividade dos jogadores a buscar os métodos mais convenientes possíveis para sair de determinadas situações com os recursos que eles possuem. Com 10 classes diferentes e mais um zilhão de escolhas de level-up em um atributo específico a cada nível, tornam-se possíveis várias maneiras diferentes e únicas de se atingir um objetivo final e isso torna a experiência de cada jogador uma coisa bem singular.

Nunca se há uma única maneira de fazer algo ou opção, mas o jogo sempre quer que o jogador pense e calcule seus movimentos e decisões, e o jogador normalmente toma essas decisões após observar e analisar o que está à sua volta, o seu arsenal de itens, os atributos do seu personagem e equipamentos e seu estilo de jogo e busca o que lhe for mais conveniente. Por exemplo, quem jogou certamente irá se lembrar de quando chegou em Anor Londo e teve que passar por aquele caminho estreito desviando de arqueiros atirando arpões em você para chegar até o castelo do local, neste momento específico do jogo, há várias maneiras para atingir seu objetivo, mesmo que umas sejam mais favoráveis a certos jogadores do que outras.

A título de exemplo, na referida parte, como meu personagem possuía uma defesa razoavelmente boa e eu não era muito bom em dar Parry (o contra-ataque) e tinha pouquíssimo espaço pra atacar e me mover, escolhi a 4º opção mostrada no vídeo que linkei, pois era a mais conveniente pra mim e ao meu estilo de jogar. Os jogadores mais cautelosos e pacientes podem envenená-los à distância com flechas envenenadas. Outros podem investir em contra-ataque, outros podem acabar com o arqueiro do outro lado primeiro e atrair o segundo (que bloqueia o caminho) para uma área mais aberta para lutar e por aí vai… as opções e suas variações são muitas. Nenhuma experiência é exatamente igual pra cada jogador.

Todo o progresso do jogo é moldado sob decisões que geram consequências. Se você decidir ir a lugar X antes de Y, pode ser que um outro evento aconteça. Se você decidir matar um NPC (vale lembrar que praticamente TODOS os NPCs podem ser mortos, fica a critério do jogador se irá deixá-los vivos ou não), ele pode não aparecer pra te ajudar em alguma determinada área do jogo, ou isso pode alterar algum evento. Se você cometer uma decisão certa ou errada durante uma batalha, você irá sentir a consequência dessa decisão, seja ela boa ou má e por aí vai. Essas possibilidades e impactos causados por decisões naturais e instintivas do jogador são um dos fatores que tornam Dark Souls o jogo tão único que ele é. Tudo que você faz nunca é por nada e você sente algo após aquilo, nem que seja um mínimo aprendizado por causa de uma morte decorrida de algum vacilo seu no jogo.

Prepare-se para morrer!

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Dark Souls, querendo você ou não, é facilmente um dos jogos mais importantes dessa geração, e seu inesperado grande sucesso poderá surtir um efeito bastante expressivo na indústria dos videogames. Já estamos sentindo as influências da série Souls em outros jogos e até na arquitetura de sistema operacional dos consoles da nova geração (como o próprio Shuhei Yoshida, da Sony, já afirmou quanto a funções do PS4, por exemplo). Será que, não só os RPGs, mas os jogos, de forma geral, poderão ser feitos nesse esquema de exigir mais do jogador com mais frequência no futuro? Só o tempo nos dirá, mas seja como for… os sinais que já estamos tendo são bem positivos.

Dark Souls pode não ser um jogo para todos os gostos, mas é uma experiência que vale ao menos ser tentada. O jogo pode parecer realmente duro, mas no final, a sensação é extremamente gratificante. Se você ainda não jogou, mesmo que o DaS não pareça muito atrativo para você, dê a ele uma chance. Ao menos a experiência de ser tirado da zona de conforto e comodismo que muitos jogos nos colocam atualmente será, no mínimo, interessante.

Links recomendados:

Critical Close-up: Dark Souls (em inglês)
“Como fazer um RPG após Dark Souls?” (em inglês)
“O Conceito de ‘cena’ em Dark Souls” (em ing- tá, esse é em português mesmo)
Lore de Dark Souls (em inglês)


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Enquanto jogava Dark Souls, Nintakun teve várias epifanias e sensações de pura catarse e percebeu que Dark Souls é um grande Metroidvania 3D, e dos muito bons. Ele certamente quer jogar mais jogos assim futuramente.

3 comentários sobre “Minha volta ao mundo em (menos de) 80 dias com Dark Souls

  1. O lado get gud de Dark Souls é o que chama bastante a atenção pro jogo e usado no marketing (‘Prepare to die ™’) mas pessoalmente não é algo que me atrai muito. Adoro um bom desafio e acho necessário, mas por si só acho algo vazio. Toda a atmosfera de Dark Souls e o mundo que eles criaram é o que faz com que tudo ganhe vida na minha cabeça e do pouco que joguei (não cheguei há 15 horas antes de ter que viajar e não poder jogar mais) é o que realmente me fazia voltar ao jogo – aquelas pequenas histórias não contadas, sutis, que surgem no cenário. Mas o fato dos controles serem lisinhos é bem legal =] mas não sou o tipo de jogador que é atraído apenas pela jogabilidade nos jogos (talvez por eu ser meio medíocre ._.) e felizmente Dark Souls não é só isso.

  2. Com certeza um dos melhores jogos que joguei pra ps3. Muito bom o texto, lembrei de quando comecei a jogar e te falei que fazia tempo que eu não jogava um jogo com “cara de jogo”. Hauahau

  3. Perfeito seu artigo amigo , realmente quem jogou toda a franquia percebe que suas palavras refletem e muito a realidade do primeiro jogo e a essência da série souls. Nesta década é uma das franquias que tive um grande prazer de jogar

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