Persona 3 e como uma boa narrativa cria uma boa experiência

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BURN MY DREAAAAAAAAAAAAAD!

“Maluco, vou sentir falta disso. Adeus, SEES. Um dia volto pra visitar vocês de novo” foi o que pensei logo após os créditos de Persona 3 terminarem de rolar na tela à minha frente. Acho que eu não sentia nada parecido ao terminar um JRPG desde a primeira vez que eu terminei Earthbound em coisa de uns quase 10 anos atrás. Sabia que ia gostar do jogo, mas não imaginei que fosse tanto, a ponto de eu ter jogado 80 horas dele sem reclamar de enrolação ou de o jogo ser muito longo nenhuma única vez com o controle na mão e ter apreciado cada minuto da experiência.

Eu ando meio cansado de muitos JRPGs caírem nas mesmas “conveniências” que muitos jogos de ação AAA vem caindo hoje em dia pelo simples motivo de “ok, isso aqui funciona, não vamos tentar enfeitar demais o pavão senão a gente pode cagar algo”(aliás, recomendo um vídeo muito bom do Super Bunnyhop, em inglês, sobre o assunto) , só olhar como a série que um dia foi a maior representante do gênero, vulgo Final Fantasy, anda hoje em dia. Os JRPGs não estão morrendo, mas sim passando por algumas mudanças graduais e experimentações já faz um tempo, apesar de muitos desses jogos que mostram que o gênero ainda possui muito combustível pra ir em frente acabam sendo meio ofuscados por séries grandes que recebem mais atenção simplesmente porque o nome é mais conhecido.

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Eu não sei dizer onde exatamente a série Persona (e claramente, a sua raíz Shin Megami Tensei e as outras subséries desta) se encaixaria nessa história, mas ela é uma grande prova de que os JRPGs vão muito bem, obrigado, ainda. Acho engraçado que tô falando de um problema relativamente atual (de uns 3 ou 4 anos pra cá, pra ser mais preciso) da indústria, mas o jogo que me fez parar pra pensar nisso tudo, Persona 3, é de 2006, e naquele tempo, já fazia muita coisa que me deixou a mim, um cara que não teve a oportunidade de jogar na época e só pôde fazê-lo agora, de boca aberta.

Muitas coisas em Persona 3 me impressionaram e me fizeram ficar encantado com o jogo, mas sobretudo, o que mais me chamou a atenção ali foi, sem dúvida alguma, a excelente narrativa e a profunda sensação de imersão que fez com que eu realmente me sentisse parte daquele mundo, como se fosse amigo de anos de todos aqueles personagens ali presentes e sentisse vontade de interagir com eles, ver como estavam, quais eram as novidades que tinham pra contar, e por aí vai…

Tirando uma foto com os parça

Algumas vezes ao longo desses anos todos jogando videogame, já vi gente comentar que gameplay em JRPG não é algo tão importante e que apenas a história era o que precisávamos pra curtir. Eu discordo dessa linha de pensamento e acho que um gameplay sólido que nos mantenha entretidos e sirva à história é essencial, e nisso todos os elementos que compõem a narrativa do jogo trabalham numa simbiose maluca.

À essa altura do campeonato, acho que explicar como P3 funciona é meio que chover no molhado, visto que muitos que estão lendo isso aqui provavelmente ou já jogaram, ou sabem como o jogo funciona, ou devem estar pensando que estou querendo fazer review de um jogo de 9 anos atrás como se fosse a maior novidade do momento (na real, meu intuito com esse texto é mais compartilhar um pouco de como foi a minha experiência e tentar explicar o porquê de eu ter gostado tanto), mas acho que pra ilustrar o ponto onde quero chegar, isso se fará necessário.

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Persona 3 (e acho que o 4 também tem essa pegada, mas até o presente momento não o joguei pra tirar a prova) é basicamente isso aqui que vou dizer agora: um simulador de 1 ano de vida escolar japonesa com um RPG de brinde, mas um está a serviço do outro e não podem ser separados. Uma simbiose muito forte une esses dois elementos de gameplay mecanicamente e um jamais funcionaria sem o outro.

E a maneira como gameplay e história estão muito unidos e deixam é certamente o que te faz ficar tão interessado naquele jogo. P3 dificilmente te obriga a fazer algo, ele deixa ali todo um leque de atividades e personagens para você interagir durante todo o tempo em que se passa a história, enquanto você tem que dar uns rolês numa Dungeon vertical de vez em quando pra ficar forte pra proteger as pessoas da cidade inteira como uma espécie de vigilante noturno. O jogo praticamente inteiro está sob seu controle, inclusive como alguns momentos específicos da história poderão se desenrolar. Mas pra um jogo fazer isso continuar sendo interessante por 80 horas de gameplay ele precisaria de algo, não é mesmo? E ele tem esse algo.

À esquerda, de vestido azul, Aigis, provavelmente a andróide mais adorável que já tive o prazer de conhecer.

Além da já excelente história, dos personagens extremamente marcantes que te rodeiam (e você sente vontade de conversar e passar um tempo com praticamente todos), entra o elemento que serve como o principal elo entre a história e o gameplay e acaba sendo uma ferramenta fantástica de narrativa: a mecânica dos Social Links, que é basicamente uma das coisas que mais enche de vida o mundo daquele jogo e o torna diferente de tanta coisa do gênero que jogamos. Os Social Links influenciam o status das Personas que você pode usar em batalha e coisa do tipo, além de, principalmente, representarem o laço de amizade (ou romance, dependendo do personagem) entre o seu personagem e os outros e tudo isso leva tempo pra você ficar mais chegado de alguns personagens e eles vão aos poucos se abrindo pra você, tipo como na vida real. Acho que é um bom uso daquele clichê maluco de “poder da amizade” que muito se vê por aí em mangá shonenzão de batalha que a gente faz até piada o tempo todo como se fosse só um Deus Ex Machina tirado de não sei onde.

E bom, aí entra naquilo da imersão que falei mais cedo, que é ajudada pela narrativa. O jogo inteiro é repleto de pequenos detalhezinhos que contribuem para essa narrativa imersiva, desde um monte de coisas pra fazer que influenciam a história e a interação com os personagens ou a sua performance em batalha, as (excelentes) músicas que combinam muito convenientemente com os momentos e os sentimentos que as épocas do jogo nos trazem, até mesmo as vestimentas dos personagens que vão mudando conforme as estações do tempo vão passando durante o período de 1 ano em que se passa a história. Tudo isso enriquece aquele mundo, e o seu laço, como jogador, com ele. Acho que consigo dizer que esse jogo fez até com que eu me lembrasse de coisas que passei durante meus próprios tempos de ensino médio, trazendo um pouco da parte sadia daquele sentimento conhecido como nostalgia (por mais que o ambiente escolar japonês do jogo tenha algumas diferenças grandes com o daqui do Brasil e ainda exista aquele “contraste” cultural, muitas coisas ainda são bem familiares para jovens do mundo todo). Ouso dizer ainda que deve ter sido um dos melhores storytellings que já vi em jogos na vida, e sempre que eu desligava o videogame pra ter que lidar com as tarefas do mundo real, eu mal via a hora de voltar pro jogo e continuar vivendo naquele ambiente fictício.

Isso foi um dos momentos mais bonitos do jogo inteiro pra mim (acho que já deu pra perceber que adorei a personagem da Aigis, né?)

Talvez por isso que ao final da jornada toda, me senti como estivesse me despedindo de amigos de muitos anos de convivência, os quais ainda iria ver muitas vezes e lembrar com um sorriso no rosto. Foi 1 ano (dentro do jogo. Pra mim em tempo real devem ter sido uns 25 dias mais ou menos) cheio de aventuras, novos amigos, conhecendo as histórias desses novos amigos, e sofrendo junto com eles para salvar o mundo de uma grande catástrofe a qual só nós poderíamos salvar. Acho que em poucos jogos do gênero, a definição da sigla “RPG” (“Role-Playing Game”, ou em português, algo como “Jogo de se encarnar papéis”) fez tanto sentido como aqui, realmente me senti como parte daquele mundo.

Obrigado, Akihiko, Mitsuru, Yukari, Junpei, Fuuka, Koromaru, Ken, Shinjiro e Aigis (e NPCs também), por terem sido ótimos companheiros de aventura. E além disso, muito obrigado por me lembrar do porquê de eu gostar tanto de RPGs e videogames num geral, Persona 3.

Aliás, gostaria de encerrar dizendo que a trilha sonora desse jogo é espetacular.

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E como toda boa conversa sobre Persona que se preze não pode acabar sem waifu wars, Nintakun diz: Aigis best girl (apesar de ter namorado a Yukari durante o jogo e ter levado altos foras da Chihiro e não ter tido tempo de dar muito xaveco na Mitsuru).

2 comentários sobre “Persona 3 e como uma boa narrativa cria uma boa experiência

  1. Interessante, esse review me algo que já tinha pensado rápido, mas nunca tinha elaborado bem como o teu texto. Persona 3 FES foi um dos primeiros RPGs que joguei e me viciei, talvez depois de Final Fantasy X. Pessoalmente, creio quee ssa sensação de realismo transmitida por se passar em um universo semelhante ao nosso, como no próprio Earthbound ou talvez Final Fantasy VII, intensifique a sensação de que os personagens apresentados e as situações que ocorrem sejam de fato mais verossímeis e, portanto, mais abertas ao jogador estabelecer vínculos empáticos mais fortes, em detrimento de jogos com o worldbuilding radicalmente diferente do nosso, com uma cultura e tradição diferentes da nossa, o que porventura pode fazer os integrantes desse universo, principalmente os companions, parecerem bidimensionais (por serem definidos com um único trejeito ou traço de personalidade), descartáveis e serem enxergados mais como ferramentas no gameplay com habilidades específicas para concatenar uma estratégia do que personagens complexos e dotados de humanidade. Em Persona 3, eu sentia algo concreto por todos os caras da party, seja simpatia ou antipatia, enquanto em que vários outros RPGs às vezes só sentia uma indiferença.

    Nesse aspecto, a narrativa de Persona 3 (e por tabela o 4) pode economizar tempo no desenvolvimento do plot através dos Social Links, nos intervalos da progressão da história, do que criar arcos específicos de character development no meio da trama que poderiam parecer forçados e fora de timing. Em suma, são complementos muito bem-vindos para personagens de quem nos cativaram. Ok, pode ser um conceito barato de Dating Sim, mas curti bastante o texto por ter deixado mais nítida essa camada nessa mecânica, intencional ou não por parte dos devs.

    • Sim, tem todo esse lance da “aproximação” mesmo. Talvez por esses detalhes apontados a gente acabe sentindo uma empatia maior pelos personagens e queira se aproximar deles, diferente da “indiferença” que normalmente sentimos em muito jogos do gênero em relação aos personagens.

      Eu gosto de como tudo no gameplay do jogo contribui pra narrativa e fica essa coisa bem homogênea que, como você mesmo disse, economiza tempo de desenvolvimento de plot e acaba ficando algo com um fluxo bem orgânico. Não é coisa do tipo “ah, agora acabou esse diálogo aqui eu vou ficar fazendo uns bagulho nada a ver aqui antes de retomar a história” porque tudo, literalmente tudo, que você faz nesse jogo, influencia diretamente na história e no jogo como um todo e consequentemente, a experiência com ele. Acho legal como até no port pra PSP eles mantiveram isso intacto mesmo não tendo todo o enviroment 3D da escola, da cidade e tudo mais.

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